
Desde a pandemia, os preços iniciais dos veículos de entrada das marcas generalistas — Fiat, Volkswagen, Renault, Hyundai e Chevrolet, que abordaremos neste texto — vêm aumentando de forma significativa. Salvo algumas promoções ou eventos como Black Friday, os valores dos carros de entrada e dos mais vendidos no segmento hatchback, como Mobi e Argo (Fiat), Kwid (Renault), HB20 (Hyundai), Polo Track (Volkswagen) e Onix (Chevrolet), cresceram consideravelmente. Entretanto, a qualidade desses veículos não parece acompanhar o aumento nos preços.
Um exemplo é a Fiat, que lançou recentemente mais uma versão do Argo: o Endurance 1.3 Flex manual, posicionada como a nova versão de entrada, custando o mesmo que a versão 1.0 Flex manual já existente. Mas o que muda de fato? Além do motor, que passou de 1.0 para 1.3, a nova versão oferece alguns opcionais de fábrica adicionais, mas ambos continuam bastante básicos. Entre os itens de fábrica estão apenas ar-condicionado, vidros e travas elétricas, direção elétrica (ou assistida) e, por exigência legal, airbags e freios ABS. O preço? R$ 89.990,00.
Pensar que um carro custando cerca de R$ 90 mil chega com quase nenhum acessório que justifique o valor é quase uma afronta ao consumidor brasileiro.
No entanto, a Fiat não está sozinha nessa prática. A Volkswagen, por exemplo, lançou o Polo Track, que já era uma versão simplificada do renomado Polo, e agora apresenta o Polo Track Robust. O diferencial? Praticamente os mesmos equipamentos básicos do Argo, também custando na casa dos R$ 90 mil.
O conceito de “carro popular” mudou
Para quem cresceu nos anos 2000, acostumado a ver Celtas, Unos e Sanderos com acabamentos simples, sem ar-condicionado ou rádio, mas com preços acessíveis (entre R$ 10 mil e R$ 30 mil na época), o conceito de “carro popular” atual parece distorcido. Hoje, chamar de popular um veículo que custa R$ 90 mil — o equivalente a cerca de 59 salários mínimos — é, no mínimo, irônico. Ainda mais quando, ao entrar no carro, percebe-se o quão pouco ele oferece em termos de conforto ou tecnologia.
Não é à toa que muitos jovens preferem andar de Uber a buscar o sonho do primeiro carro 0 km. Esse sonho, aliás, já não existe para muitos, já que, sem financiamentos longos (de 20 a 30 anos), adquirir um veículo novo se tornou inviável.
E quanto aos modelos mais baratos, como o Kwid e o Mobi? Mesmo custando cerca de R$ 80 mil (52 salários mínimos), eles também não podem ser considerados populares. Ambos possuem acabamento básico e nem mesmo conexão Bluetooth é oferecida de fábrica — um recurso presente nos modelos “mais caros”, como o Argo e o Polo Track, mas ainda assim opcional.
Conclusão
As montadoras deveriam, embora seja improvável que o façam, reduzir drasticamente os preços de seus veículos de entrada para que o conceito de “carro popular” volte a existir. Outra alternativa seria incluir mais acessórios de fábrica, que justifiquem os preços elevados.
Mesmo com vendas expressivas — mais de 90 mil unidades do Polo, Onix, HB20 e Argo comercializadas no último ano no Brasil —, há espaço para estratégias mais acessíveis. Reduzir preços de forma significativa poderia atrair o público jovem e reviver o sonho do carro novo na garagem, desviando o foco do mercado de seminovos. Afinal, popularidade não deveria ser sinônimo de altos custos para oferecer o mínimo.
Marcelo Bottura, head of pricing and product
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